Divirto-me imenso com a tua atitude de tesão que se acha o ex-líbris da perfeição. Provavelmente, na tua ideia de ser iluminado, achas que envergas a silhueta de uma escultura grega. Pobre pensar o teu, inversamente proporcional à verdadeira ordem da tua grandeza, e olha que estou a ser bastante generosa, tendo em conta que o verbo subestimar não integra as boas práticas da minha gramática.
Agora, um dia que tenhas coragem de olhar para o meu eu mais profundo, tem cuidado, ou levas umas asas para levantar voo, ou bem que morres afogado.
Sempre esperei ver-me à mercê da mudez, não do
encarceramento de palavras, mas do meu emudecimento perante a beleza das tuas
falas bem faladas junto ao meu coração.
Desenhaste-me um poema num grão de areia, ofertado na pétala de uma rosa vermelha, e, claro está, emudeci! Quero retribuir-me e não
consigo, de me ver assim, intrincada num redemoinho de emoções, onde o grito
e as palavras mais bonitas, as que tenho guardadas só para ti debaixo da pele, no silêncio do mais profundo oceano, ficam muito aquém do turbilhão de sentimentos
em que me depus após o teu olhar ter mergulhado no meu (a)mar.
Mas aqui, do lado oposto da encosta, permito-me confidenciar-te tamanha inconfidência.
“No
início, as conversas eram ligeiras e circunstanciais, assim como os nossos
encontros eram dispersos e ocasionais”. Lembraste desses tempos, quando falávamos dos sumos de limão que
bebíamos em jejum, na primeira hora da aurora, e das trocas dos nossos relatos
opinativos sobre artefactos museológicos que contemplávamos das nossas visitas
a exposições temáticas? De lá a esta parte, já se passaram pelo menos meia dúzia de anos, não?!
Já sei, estou a desviar-me do assunto.
Já sei, sou uma peste e tudo isso…Sei que estou em falta contigo, já sei. Fiquei
de te devolver correspondência, e não o fiz! Mas olha, não foi por falta de
vontade, ou de oportunidade. Simplesmente não quis deixar o teu coração em
cuidado em vésperas da tua ida, mais uma vez, para terras além-mar. Se te
falasse, irias ler nas minhas falas, um estado de apreensão e de preocupação; achei então por bem remeter-me ao silêncio. Bem sabes que quando me escondo por
detrás da carapaça, não respondo a estímulo nenhum provocado do exterior. Ai se
soubesses, o impacto que o teu último poema teve, sobre mim!
"(...)
Cega é a ausência do teu toque
E negra a distância que nos separa."
E o que me custou
mostrar-me indiferente ao teu desnudar da alma…Toda eu, me desfiz em lágrimas
no travesseiro da madrugada, quando o sono tomou de assalto as gentes da minha morada.
Mas de nada me adianta agora chorar sobre o leite
derramado. Mais uma vez, sei que estou fora de tempo. Mas olha, não te
preocupes, agora sei que está tudo bem comigo. Já diz o velho ditado, que após
a tempestade vem a bonança, e, aqui estou eu a dar sinal de mim, quando te sei longe,
incomunicável, e irado comigo…Mas não faz mal, eu relevo-me por ti, faço a
festa, lanço os foguetes e apanho as canas.
No meio de tantos desencontros e de mais um
silêncio interposto, sabes o que me conforta? É saber-te do outro lado do
mundo, com a melhor metade de mim, aí, contigo. É nesta espera eterna e constante,
de saudade dolorosa, que me alimento de ti, que te vivo e que te respiro. É
nesta dor que te sei só meu e que perpétuo o meu amor mais puro e genuíno.
Pois então, cá estou eu, mais uma vez a rezar um monólogo.
Mas de facto tal facto resume-se ao princípio da contradição, que tem sobre mim
o maravilhoso efeito terapêutico de purga afectiva.
Resumido e baralhando, até ao teu regresso, pouco ou nada mais me resta,
senão falar-me de ti, e de ti, e de ti...
Um destes dias, ou seja, numa destas noites, durante a prática do sofá – terapia, enquanto corria todos os canais da TV, tropecei neste filme, "Correspondence". Qual o meu espanto, constatei que ali reside mais um espelho intemporal que reflecte estórias de amor que se perpetuam no tempo, pelo tempo e ao longo do tempo para além do tempo.
Das cartas trocadas entre Ofélia Queiroz e Fenando Pessoas, ao mesmo tipo de correspondência trocada informaticamente, pelo Ed. o Feiticeiro e pela Amy, a Camicase, neste registo cinematográfico, consigo rever fragmentos do nosso testemunho, ora pela idade de ambos os intervenientes, ora pelo conteúdo material do respetivo enredo afectivo...
Se por um lado esboço um sorriso, por ter o privilégio de viver “momentos” únicos, bonitos e genuínos, por outro lado aninho arredia a este caminho que inflige uma dor aguda que se exige muda. Não nos é permitido gritar nem exteriorizar a dor da saudade e da ausência.
O percurso faz-se duro, de olhos postos no céu e no mar, para amortecer a dor da falta da presença de quem não nos pertence de facto nem de direito, e para nos conferir uma réstia de esperança, que se guarda sempre debaixo da asa, de que um dia o impossível acontecerá.
Agruras à parte, deixo-te aqui mais um dos meus delírios afectivos.
Eu sei que um dia vou passear contigo de mãos dadas pela rua aos olhos do mundo, a rir, a sorrir e a gargalhar, em plena alegria, só por estarmos ali, eu e tu, finalmente juntos.
Iremos ao parque da cidade, correr, rebolar na relva, andar no carrossel, gritar na montanha russa e encher a barriga de pipocas e nuvens de algodão doce, que nem dois adolescentes enfeitiçados. No fim do dia daremos aquela caminhada pela praia, com os pés descalços na areia molhada, de olhos postos no pôr-do-sol, a ouvir a canção do mar, e, quando o manto de estrelas nos aconchegar, encostarei a cabeça no teu peito para me deixar dormir no embalo do compasso do teu coração, até a aurora despertar.